quinta-feira, 18 de agosto de 2011

mil bocas

não sei por que minha mão se fecha abrutalhada no seu pescoço alvo. talvez seja o meu senso de proteção. que quer te dar um lar. quer te amamentar com cachaça e pão de ló. o meu seio sentido, o meu sexto imenso senso, agora seus. não sei se é a morte que te quero enfeitiçar. talvez eu simplesmente a queira, como um dia quis no berço a morte. talvez eu queira te conter, como se contêm o mar. mergulhar, adensar, sufocar, e sair encharcada e sem posses. talvez eu queira te ferver, te ver água partindo lúcida manhã por cima das montanhas longe longe. talvez eu simplesmente queira te amar. mas então não entendo minhas mãos correndo em perigo, nos errados lugares dos lugares antigos. navalhas, socos, unhas levantadas, violências de contenção. eu devia te amar sem mãos, só mil bocas, umidades escusas, cheiros e curvas. as armas não letais que ser mulher me deu.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Rua dos Desiludidos N°2

Hoje eu decidi te contar tudo da minha vida. Joguei a sua última carta mal escrita no lixo. Juntei os meus bons restos com meus melhores começos. Aqui nesse envelope, meu bem, te mando. O eu que você perdeu.

Primeiro sinal desse novo eu – o cinzeiro cheio de cigarros. Sim, meu bem, voltei a fumar. Somei os dois mais dois e vi que sua neurose pneumática anestesiou um dos meus maiores prazeres. Às vezes tusso, suo, seco e muito, e sinto meu dente amarelo. Mas não importa meu bem, pelo menos agora eu tenho um sorriso para mostrar os dentes.

Falando em dentes amarelos, ando tomando mais café que funcionário público. É que para me agüentar em pé na academia de noitão depois do serviço, só tomando muito café. A Alzira do 23 já me falou que assim vou ficar com tremedeira, que essa magreza encostada nos ossos não faz bem para ninguém, e que minha palidez contrasta feio com os dentes. Mas não me importa meu bem, quero crescer em carne e força, para me distanciar cada vez mais de você. A Alzira deve estar é com vontade de mim. Qualquer dia desses quando a fome me afrouxar o cinto vou lá bater na porta do 23.

Lá no emprego as coisas estão boas. O patrão sempre me cumprimenta com um olhar esperto no rosto. Penso que ele sabe que somos do mesmo clube, de homens selecionados e bons, sempre andando nas melhores montanhas. Se deus for bonzinho é nesse ano que sai aquela promoção. Tenho certeza que sairá, é o que tudo indica, meu bem.

Fora isso tá tudo muito bem. Eu ando na maior felicidade. Quem me olha subindo as escadas do prédio (o elevador enguiçou de vez agora) pensa que eu sou o homem mais sortudo do mundo, é um sorriso daqui ali ó. Mesmo que amarelo.

Acho que é isso meu bem. Nessa carta aqui só queria dizer isso. Não te amo nem um pouco, minha vida é um estouro, estou muito bem, muito feliz. Todo dia meu bem, um sorriso daqui ali ó.