quinta-feira, 26 de abril de 2012
Casa 8
Casa 6
Libidinoso, tocava as bordas das máquinas, se escondia das
persianas para roçar seus braços gordos e suados por sobre a prensa, entre o
scanner, atrás da porta.
“Você reclama, mas quando eu me for, vai virar um bebum”. Disse
ela num dia que parecia mais leve, quiçá, talvez, até alegre. Seria óbvio que
ele bebesse. Entre os papéis amarelados, nos grandes espaços, em tudo que
denunciava sua solidão sórdida.
Talvez ele não bebesse para não dar a ela essa alegria.
Embora todos soubessem que ela nunca mais se afetaria por nada que concernisse
esse universo balofo, essa emoção cheia de sebo. Quando ela começou a trabalhar
lá foi quase uma brincadeira, todos sempre achavam que ela não precisava do
dinheiro, preferia, ao invés, poder inverter esse pobre homem. Virá-lo de ponta
cabeça e deixar vazar dos seus bolsos todo dinheiro – até o mais ínfimo
trocado, e também os documentos, e ainda por cima os clips, e se sobrassem os
palitos de dente, guardanapos e propagandas enganosas.
Ela me lembra as mulheres que os homens que ainda se
aventuram na umidade chamam de demônios. Ora, nem tão ao norte, nem tão ao sul.
Ela chegando com suas pastas e seu cabelo preso em coque. Ela chegando com sua
saia quase curta quase longa. Se via o nervosismo no modo como ela abria a
porta, como na primeira vez tentou se anunciar ao vento, e como algo pudico e
puro se cingiu ao ver aquela nódoa imensa se apresentando “Carlos, pode ir
entrando, é por aqui”.
Ele apresentava os cômodos, as prateleiras e os incômodos –
dela, é claro. Tudo que via era um emaranhado de sujeira e tristeza. O excesso
de pó ali recendia a solidão amontoada.
Pensando bem, talvez ela simplesmente quisesse fazer bem
para ele, consertar essa máquina obsoleta, essa máquina de escrever da década
de 10.
Agora, tentando tirar o pó infindável de cima dos arquivos,
ele roça os dedos gorduchos em pardo e relembra. Não, ela não era maldosa.
Talvez fosse pura. Quase tão pura quanto ele.
Aos poucos ela foi
fazendo suas vontades. Trazia cafés e torresmos quando voltava do almoço.
Limpava sua sala apenas quando ele estava ali, para não invadir o seu senso de
privacidade, e então conversavam sobre Gardel, que talvez fosse o único
interesse em comum dos dois.
Acho que ele começou a fazer bem para a solidão dela, de
menina com família longe. E ela, é claro, começou a povoar os
pântanos daquele homem.
Ela voltava para casa, tomava um banho forte – para limpar
aquele lugar da pele dela, cozinhava sua porção para um, e ia dormir pensando
na sua missão, de tornar aquela coisa mais humana, mais feminina. Talvez ela
tenha se sentido na obrigação, que toda mulher sente uma hora ou outra, de
cuidar de um homem totalmente órfão de cuidados.
Ele voltava para a quitinete dele, e desmanchava no sofá.
Se era dia de pizza nova tomava banho, se comeria os restos do dia anterior não
precisava. Via tv, vivia sonhos vazios, sonhos ausentes, e se recriminava
quando pensava nas coxas dela.
Se alguém disser assertivamente que ela é uma mulher má, eu
diria que aquela época não se percebia. Porém, também diria, que toda mulher se
sente na obrigação, uma hora ou outra, de ser má.
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