sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

enseñanzas

A gente nunca tem as pessoas. E isso significa que em qualquer momento elas podem não estar aí, e estar em outro lugar. E isso quer dizer que contar com o outro vai ter que ser um conceito mais abrangente de ter um ombro pra chorar quando for a hora. Acho que quando for a hora muito possivelmente não vai ter. Duas amigas que eu admiro muito me ensinaram isso de maneira amorosa. Por que sendo elas me contando, e eu admirando tanto elas, e não vendo nenhuma menos valia nelas, eu entendi que essa solidão não era pessoal, não era abandono, mas sim condição da vida adulta.
Que é uma merda, por que eticamente no fundo do meu coração sempre acho que a gente tem que estar aí para os outros. Mas nem sempre estamos, nem sempre podemos, as vezes a gente nem sabe que o outro precisa, outras tantas vezes a vida desenhou outra história. E aí começo a ver a história por outros angulos. Ao ouvir das minhas amigas isso, de ver quando eu mesma não estive aí, e por que, e nunca é por babaquice, e sim por que a vida de todo mundo está aí acontecendo ao mesmo tempo, e as vezes é dificil a gente entender isso. Eu sei que eu acho pelo menos, dificil de entender essas todas vidas acontecendo ao mesmo tempo, com seus dramas, suas questões, suas escolhas. A Sil tem me ensinado que é com nós mesmos que  a gente tem que contar na hora H. Eu ainda não consegui aprender isso direito. Eu estou tentando, mas existe uma vontade do junto muito grande dentro de mim. Mas acho que tudo bem, no sentido que o junto é uma possibilidade boa, mas não se você depende disso. A meta é se idependizar do junto, inclusive para poder viver isso de boa. Não precisar de mulheres, nem amigos, nem familia, mas poder viver tudo isso.

solidão

não há pressa em dormir
por que entre as costelas um vácuo imenso se forma.
por que racionalmente eu sei que nascemos e morremos sozinhos (sozinhas).
e sem dinheiro. e sem roupas. e sem direitos autorais.
eu sei.
mas são em madrugadas assim que eu Sei.
e saber tem a altura de penhasco, e arrebenta, e mói,
e é só bem lá no fundo que pode ter uma calmaria,
mas só se você trabalhar isso muito bem.

fatos. você pode querer tocar nos fatos para entender.
não há.
não é natal, nem data nenhuma,
é só mais uma sexta feira e minhas costelas doem.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Eram quatro horas da tarde de uma terça feira. Na rua Duartina, centro da cidade, uma mulher grita "Meu filho foi preso!". Chora, ri. Parece soluçar entre um emaranhado de emoções. Os transeuntes e pais a olham curiosos. Não chegam a compreender se é alegria, tristeza, comoção ou desespero. Seu último grito antes de entrar no ônibus esclarece todas dúvidas: "Graças a deus!".

Se você me perguntasse o que ela tinha, eu diria - sede. A maneira como seus olhos brilhavam cheio de secura, os seus pés se moviam ásperos, arrastando areias hipotéticas. Enquanto a observava entre as pessoas daquela sala branca, parecia ser a única a não ter nenhum tipo de contentamento.

Explico melhor. Estávamos na defensoria. Terça feira, dia de atendimentos aos pais de menores infratores. Cirley espera sua vez, não pacientemente como os outros pais, mas como se essa sede a comesse por dentro. A defensora já alcança o quinto atendimento do dia e ainda faltam diversas tragédias, de tamanhos diversos, para ela que possa ser atendida.
Aguarda o resultado do julgamento do seu filho, acusado de roubar uma moto. A defensora chama na quietude da sala - Israel.. ! Família do Israel Gomes. Israel é um nome forte para se dar a um filho. Penso da onde veio a inspiração. Cirley se dirige a saletinha de atendimento. A defensora discorre pacientemente sobre o processo de seu filho. Explica em minúcia os detalhes da lei, o que funciona na teoria, como será na prática. Cirley a olha com calma. Uma calma surpreendente. A defensora prossegue, ligeiramente sem graça com a postura estranha da mulher.